terça-feira, novembro 23

a coisa mais triste é quando chega a hora de ir dormir e levamos pra cama o nada feito, o abraço ausente, o tempo passado e o aperto no peito.


quinta-feira, novembro 11

trapezista

Era uma vez, mas eu me lembro como se fosse agora. Eu queria ser trapezista, minha paixão era o trapézio. Me atirava do alto na certeza que alguém segurava-me as mãos não me deixando cair. Era lindo mas eu morria de medo, tinha medo de tudo quase: cinema, parque de diversão, de circo, ciganos, aquela gente encostada que chegava e seguia. Era disso que eu tinha medo. Do que não ficava pra sempre.

Era outra vez outro parque, outro circo, ciganos e patinadores. O circo chegou na cidade, era uma tarde de sonhos e eu corri até lá. Os artistas se preparavam nos bastidores para começar o espetáculo e eu entrei no meio deles e falei que queria ser trapezista. Veio falar comigo uma moça do circo que era a domadora, era uma moça bonita, mas era uma moça forte, era uma moçona mesmo. Me olhou, riu um pouco e disse que era muito difícil mas que nada era impossível. Depois veio o palhaço Polly, veio o Topsy, veio Diderlang que parecia um príncipe, o dono do circo, as crianças, o público... De repente apareceu uma luz lá no alto e todo mundo ficou olhando, a lona do circo tinha sumido e o que eu via era a estrela Dalva no céu aberto.
Quando eu cansei de ficar olhando pro alto e fui olhar pras pessoas, só aí eu vi que estava sozinha.

Texto de Antônio Bivar
Extraído do Disco Drama 3°Ato - 1973

quinta-feira, outubro 21

Vergonha alheia

Em sala de aula, todos discutiam a política. Serra não, mamãe. Dilma sim, claro que sim. Ao que a imbecil (desculpem, não há outro nome para ela) diz:

- Não voto na Dilma porque o Lula fez uma coisa péssima, que foi permitir que a classe pobre melhorasse de vida. Agora, todos têm roupas iguais às nossas.

A sala se calou em um constrangimento coletivo.

segunda-feira, agosto 16

meus olhinhos, nosso aperto.

São aquelas palavras em chamas vindas de uma boca sem coração. A dor é o que fica no meu peito, doida pra sair, pra virar ação e acabar com a minha expectativa de curar de leve as feridas do peito apertado... machuca a memória pensar nelas - as feridas - como tatuagem e foi você, sim, quem a imprimiu como ela é. E pra razão, assim, como se os meus sentimentos bons estivessem protegidos dos seus ruins. Dentro do peito pequeno falta espaço pra caber a mancha grande que vem de você - ou mesmo vontade, se no mundo das vinganças tudo se corrói... E a brasa do seu nome, acesa como aquilo que passou e doeu, faísca os arrependimentos constantes de um dia contigo ter cruzado, certos de que você só trouxe dor e nada mais.

domingo, maio 23

Mais fácil do que bater de volta, é pedir desculpas no que erra. Se você não sabe, eu sei:
Desculpe querer seu colo, mesmo que aos pedaços. Desculpe te amar a ponto de só você me curar. Desculpe a dor pela sua ausência. Desculpe querer sustentar os juramentos de dedinhos. Desculpe achar que por mim você pararia o mundo e as suas próprias coisas. Desculpe, principalmente, não concordar com o que você chama de desumano. Desculpe, isso não se repetirá, meu bem.

domingo, abril 11

Em que lugar a gente se perde a ponto de não ver mais o monstro no espelho?

Como em um Lego, as peças vão se sobrepondo. Fazendo a torre crescer. Ela cuida para equilibrar, mas as mãos são fraquinhas. Ela não consegue firmar uma peça na outra. Falta força. A torre sobe meio torta. Qualquer vento vai balançar. Qualquer chuva, fazer cair. Mas a torre cresceu com as cores cuidadosamente colocadas uma ao lado da outra. De modo que, ao olhar de longe, dê a cada um uma vontade grande de fazer parte do conto-de-fadas. Tirar a cor seria parar a brincadeira. Se é para sonhar, que seja completo. Ela cuida da forma, cor, disposição e ordem de cada pedaço colocado. Quem vê de fora, não entende. Nem nunca entenderá...

Há monstros, bruxas, gnomos, príncipes e princesas em torno da sua história que só fechando os olhos para conseguir entender...

'nem sempre é so easy'

Há horas em que tudo vai mal. Ninguém te escuta e, se o faz, não entende. Te culpam por sofrer, querem arrancar as últimas migalhas que te restam. Te fazem sombra. Não que o mundo seja um arco-íris. Ele não é. Mas não precisa refletir o lado podre da sua pior parte. Os dias amanhecem, mas as coisas somam. Uma bela tarde de chuva de domingo te vomita certas palavras, que não foram digeridas, entendidas, engolidas. E não importa o quão forte você seja. Elas doem. Não importa o quão fraco você esteja, elas chegam. A vida bate forte, mas te rodeia de pessoas. O problema é que há barulho demais para que elas possam ouvir qualquer coisa. O pedido de socorro fala baixo e com fantasias e o caos não o faz ser compreendido. Não importa o tapa, o importante é seguir. É limpar a ferida, colocar um curativo, esperar fechar e torcer pra não ficar cicatriz. Depois disso, basta seguir.

domingo, março 14

Chamado

Chega com olhinhos espremidos por conta do sorriso largo, chega.

Som de S e P de pontada

Passa, passado.
Passarinho quer voar.
Posso, podes, podemos passar.
Passemos.
Passa, como tudo,
Passaria, passarão.
Passagem, passarela, passeando por aí.
Passa, tudo passa.
Até uva passa.
Só não passa o passado que persegue sem parar.

quarta-feira, fevereiro 10

Desculpe pelos excessos.

Eu te amo fundo e você reclama. Prefere que confundamos os nossos corpos, mas reclama se misturo as nossas vidas, as nossas coisas. Te incomoda os meus excessos de amor, o meu olhar e jeito de ser sua e te querer só pra mim. Desculpe. Me prometi, um dia, viver profundamente. Eu te mostrei quem sou e me dei pra você. Dei meus erros e acertos, mas mais do que tudo dei as minhas tentativas. Se dou um passo penso se era o que você gostaria. Se fico quieta, temo pecar por faltar. Não. Nunca mais essa dor pelo que não foi feito. Prefiro fazer, dar, doar, entregar. Mesmo que doa. Desculpe se ao aparecer pra ti te tirei espaços, pessoas. Entre os meus abraços sempre esteve um pedido de socorro e aceitação. Muita sede faz derramar a água. Desculpe se não fui aceita por todos que lhe rodeavam. Não me importo e nem espero por. Ser aceita por ti me basta. É meu jeito assim de amar, meio torto, muitos "muito", desencontrados. Só sei assim. Eu que sempre fui livre não importava o que ninguém falasse. Agora me vejo pensando e perguntando até onde eu posso ir por ti, pra ti? Você reclama como se houvesse um botão pra eu reinventar o silêncio do dito e pra passar uma borracha no que foi feito. Desculpe se te amo profundamente a ponto de desnudar e desconcertar. Eu não vou separar os meus erros dos meus acertos. Sou a soma deles. Muito menos separarei os seus. Me deixa sentir, me deixa falar. Desculpe se você nunca teve pedidos do tipo, não sei. Mas sei que você nunca teve alguém que te amou tanto quanto eu amo. Só quem se mostra totalmente se acha no amor, por mais que se perca certas horas. Eu sou assim: errante, suja, pequena, boba, intensa, exagerada. Mas cheia de amor. Sempre. Uma metade e a outra também. Amor pra ti.