quarta-feira, março 29

de um trabalho acadêmico saiu isso.

EXAGERO - essa era a lei. No amor e na entrega. A música tocava nos encontros. Cazuza era o animador que os seguia. O "play" vinha nos momentos certos. Ele, aventureiro nato. Eu, louca apaixonada. Os dois, um caso ímpar.
- A melhor de todas é vida louca vida.
- Não conheço.
- Caraaaaalho! É a melhor de todas!
- Nossa! Tô curiosa!
- Eu não vou mostrar. Um dia você vai saber.
- Por quê?
- Porque se não, não tem graça. Promete que vai escutá-la por acaso?
- Prometo!
Promessa cumprida.
Hoje, a música faz abrir o baú:

O momento era do último adeus. O instrumento inicia. O coração acelera, pula. A inquietação não era de paixão. A voz era do poeta. A letra também.
A vida era loucura. Foi imensa nos vinte anos vividos. Os versos agiam. Fui invadida pelos pensamentos, apenas: de que valiam as grifes, a cultura, o diploma, as regras e as futilidades se tudo acabaria daquele jeito? Viver não era preciso. Não fazia sentido. É coisa normal morrer. Foi bom tudo. Tão bom que não se pode acabar. Por favor, tirem essa música que eu não quero mais pensar.
O volume subiu. Cada palavra machucou. A canção tornou-se biográfica. Era como ele via a existência. Cena de filme: ele na moto, vento no rosto, sem limite. A música berrava que se ele não podia levar a vida, que ela o levasse.
Estava aflita. Incomodada. Tudo seria diferente se houvesse silêncio. A melodia, a poesia, o cantor. Eles singularizavam o momento. A tristeza ganhou trilha sonora.
O refrão era um estímulo à vida ou uma rendição? Não interessa. Ele era um pouco dos dois: viveu tudo que havia para ser vivido. A morte não o apavarova, não o apavorou. Que lindo, que lição. Vontade de parar o momento. De só escutar algo tão idêntico ao amado. De parar no tempo. Ela fazia o medo sumir.
O momento era o auge da tristeza possível de ser sentida, vivida, sofrida. O instante final da despedida do amor, do amado. Eu estava alheia. Medo do futuro. Pra onde iriam os planos, as decisões? Uma tontura, um desejo de ser tudo um mal entendido. A razão desabituada a agir, sumiu de vez.
A dor era contagiante. A música também. Vontade de batucar. De bater com o pé no ritmo da melodia. Mas as pernas já nem eram mais sentidas. Alguma coisa estava errada. Se tinha cazuza, tinha que ter o amado por perto.
Caralho!!! Era essa a música? A preferida? Sim, era essa!
- Ei, acorda. Era essa a sua música preferida? A melhor de todas? Ei, responde.
Não respondeu. O jeito era ouví-la sozinha. E lembrar da expressão dele ao descrevê-la. Lembranças não faltaram. Os beijos, as conversas, os desencontros…
Cada lágrima rimava com a música, que tornava tudo infinitamente mais dolorido, mais emocionantes, mais marcante, mais eterno. Por alguns instantes, parecia não haver porque chorar, mesmo assim o fazia. Minhas mãos juntaram-se. Ora imprensavam o peito, ora arranhavam-se umas às outras. Ah se aquela dor fosse fisica…
Segunda repetição da estrofe principal. Isso quer dizer alguma coisa. Tá perto do fim. Flutuei, gritei, chorei. Vontade de lembrar de tudo. De voltar no tempo. Já que vc não pôde levar a vida, ela levou você. Eu vou junto. Não, eu fico. Quero viver igual a você. Tornar dessa canção o meu hino. Partir como heroína. Viver de maneira louca. Sabendo que o crime não compensa. Que coisa linda. Linda de morrer. Pensei em tudo. No fim, não pensava nada. O olhei. Gosto dele sorrindo. Então não quis olhar. Mas preciso. O volume tá baixando. Vai acabar.
Meu peito ficou espremidinho. Eu dei adeus. Fechado para sempre. A música estava nos segundos finais. Já não havia nada mais entre os dois. A não ser o vazio e o silêncio que chegava. Ele voou deste mundo. A dor, tal qual a música, vai diminuindo, até acabar. Mas as sensações voltam cada vez que for dado o “play”.
Guardo essas recordações num baú velho. Envernizado de lágrimas. Dentro, o silêncio faz eco. Fora, tem trilha. Destranquei-o, revivi, senti-o de novo. Por 4 minutos e 15 segundos, ouvi a voz desafinada, o sorriso moleque, o amor e a saudade. Vi(va) a vida. Levo só o que foi bom.
O baú volta a fechar.

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